"Cultura". Eis um termo que pode gerar densas e violentas polêmicas. É graças à diferença de culturas e a negação dessa variedade que tantas guerras e conflitos são causados mundo afora. No entanto, não são só coisas ruins que a cultura trás a nós. Dizendo de forma vulgar e, até ouso dizer, grosseira, a cultura é algo que nos define, o que cria em nós as definições do que é certo, do que é errado, do que é "bárbaro", do que é "civilizado", do que é o quê. A história do mundo está repleta de culturas que foram se desenvolvendo com o tempo; algumas se fixaram e sofreram alterações com o tempo (vide a cultura greco-romana); outras desapareceram completamente.
Resumindo novamente, cultura é algo que nos define.
Se você é um escritor, um contador de histórias (como eu), você deve saber o quão importante é colocar cultura em seus personagens, adaptá-los em certa realidade para melhorar a dramatização, o contexto e, consequentemente o conteúdo da história.
É óbvio que, no mundo dos videogames, especialmente do final dos anos 90 para cá, a adição de cultura(s) aos personagens das tramas é bastante chamativo, pois diversifica e deixa o mundo virtual mais próximo do real, por assim dizer.
Em The Legend of Zelda, não posso falar que "cultura" é algo recorrente nos primeiros títulos. Os clássicos pré-Ocarina of Time não dispunham disso, pela sua geral falta de desenvolvimento nos personagens. Claro, coisas como escritas antigas, grandes monumentos erguidos (caso mais visto em A Link to the Past e Link's Awakening) e outros pontos que revelam parte da cultura foram mostrados, mas no referente à cultura vista pelo povo, pelos personagens, é algo que não veremos até Majora's Mask, talvez o título que mais explorou esse quesito de cultura.
Apesar de esse tema ser algo que pode ser muito bem adicionado como uma edição da coluna "Segredos de Hyrule", creio que seu real e potencial valor possa ser melhor explorado aqui...
É curioso ver o que a adição de cultura gera em um jogo como Zelda. Majora's Mask, um título muito aclamado pelos fãs da franquia, é considerado como um dos títulos mais, digamos, profundos da série. Não é só por causa das diferentes formas de pensar de cada personagem (assunto que pode acabar me levando a falar da História das Mentalidades, portanto, não cabe ser mencionado por ora aqui), mas por causa de um evento único que é, praticamente, parte do centro da trama: o Carnaval do Tempo.
O famoso carnaval de Termina nada mais é do que uma explosão altamente forte e valiosa de cultura. O mais importante (e, aparentemente comum) hábito dos habitantes de Termina durante o carnaval é a utilização de máscaras. Vemos sua importância, por exemplo, não porque Link as utiliza de forma pesada no jogo, mas pelo fato de Kafei e Anju as utilizarem como forma de oficializar sua união (lembrando que o dia de seu casamento é no primeiro dia do Carnaval). Não só isso, mas a avó de Anju conta sobre esse costume em uma de suas histórias.
Curiosamente, essa tradição lembra muito a cultura Maia, na qual era comum o uso de máscaras ornamentais para a realização dos rituais religiosos do povo. E, bom, a própria máscara de Majora, item que dá título ao jogo, era um tipo de máscara ornamental usada para rituais de feitiçaria pela tribo que a criou, segundo o jogo.
No caso do jogo, a utilização de máscaras talvez indique algo mais profundo e icônico do que uma simples fantasia de carnaval. Os exemplos disso são as máscaras que Link carrega durante o jogo. Cada máscara carregada pelo herói (adquirida com muito esforço, diga-se de passagem) indica algo importante, e reflete, em parte, os desejos ou a personalidade de quem as deu. Dou como exemplo a Garo's Mask, que vem dos "ladrões" irmãos Gourman, ou a Bremen Mask, que já pertenceu a um grande líder. Mas nenhuma delas é tão intrigante quanto as ditas máscaras mágicas, as máscaras Deku, Goron, Zora e, se você quiser, Fierce Deity. Essas máscaras não são apenas vestidas por Link, elas o transformam em um ser completamente diferente. Isso possui um motivo. Cada uma das máscaras mágicas possuem um espírito dentro delas, seja o de Darmani (Goron), Mikau (Zora) ou a dita Divindade feroz (Fierce Deity). E esse fato acaba por me levar a especulações... O dito espírito se torna o responsável pelas transformações, mas, mesmo transformado, Link continua ele mesmo: o garoto élfico de roupas verdes que todos nós amamos. Tudo o que especulo é: será que isso não se trata de alguma metáfora? E terá essa metáfora alguma relação com o nível cultural de cada personagem? Vale lembrar que, no caso de Darmani e Mikau, os dois personagens morreram lutando para ajudar seus entes queridos (a tribo Goron, para Darmani, e Lulu, para Mikau). E o próprio Link se jogou em sacrifício no passado, ao salvar Hyrule das mãos de Ganondorf (lembrando que Majora's Mask é a continuação direta de Ocarina of Time). Bom, continuar nesse tópico pode acabar desviando o assunto original, então, deixaremos para um outro momento.
Agora, analisando um pouco o evento do Carnaval do Tempo em si, e a reação que este causa a seu povo. É claro que muitos dos moradores de Termina (especialmente os residentes de Clock Town) consideram o Carnaval como um evento altamente importante, tanto que alguns deles preferem ficar e comemorá-lo a fugir da cidade com medo da lua. Obviamente, um evento que consegue conquistar tanto aqueles que o praticam tem algo de muito especial. O claro exemplo é o de Mutoh, o chefe dos carpinteiros que, ao final do terceiro dia (pouco antes da lua cair), ainda se mantinha lá, confiante de que a lua não iria cair, além de estar disposto a comemorar o carnaval, mesmo que ninguém mais o fizesse. Ele só fugiu quando a lua, de fato, caiu, mas foi segurada pelos quatro gigantes.
Mas, voltando ao carnaval. Tudo o que sabemos do evento é o que nos foi contado pela avó de Anju. Aparentemente, o carnaval era feito anualmente, e através dele, as pessoas rezavam a seus deuses por uma ótima colheita durante o resto do ano (o que, mais uma vez, lembra uma cultura antiga, no caso, a do Egito).
Com isso, percebe-se que o Carnaval possui um valor cultural e religioso extremamente grandioso e, como já foi observado, é extremamente valorizado pelo povo de Termina.
Agora, como é o impacto deste carnaval na terra como um todo? Sabemos que aqueles que mais levam a sério o Carnaval são os habitantes da cidade de Clock Town. Os habitantes do Deku Palace aparentemente não dão a mínima (talvez por não se envolverem de forma alguma com os outros moradores de Termina), os Gorons, talvez se mostrem interessados (por terem dado as caras no final), já os Zoras são os que mais mostram interesse, afinal eles possuem uma banda que vai ao carnaval (os Indigo-Gos) e possui uma fama relativamente alta. Além disso, o enfoque e o desejo dos Indigo-Gos em participar do carnaval, somado com a aparente decepção do empresário da banda quando o carnaval é cancelado por certo tempo e com o esforço dos demais Zoras em fazer com que tudo fique nos trinques para o evento, são provas do quão importante é o Carnaval do Tempo para eles.
Mas, enquanto os efeitos do carnaval são algo difícil de ser estudado, sendo baseados em meras observações e, ouso dizer, até especulações, um outro ponto digno de ser observado mas que, ainda sim, não possui quaisquer bases oficiais é a pergunta: "Como o carnaval é comemorado?"
Apesar de termos acesso aos, como direi, "bastidores" do evento, não temos muita noção das formas de comemoração. Sabemos que a música e a dança são componentes tão ou quase tão importantes quanto a utilização de máscaras. Observamos isso ao longo do jogo, com o esforço dos Zoras e das irmãs Rosa, além é claro da viciante música da caixa de música de Guru-Guru. Mas, está claro que o festival não se fecha só a isso. Muito está em segredo e parece que não será revelado.
Mas debater esse assunto pode nos alterar do curso, então, mantenhamos-nos.
Se aprofundar no Carnaval do Tempo de Majora's Mask se mostra mais difícil agora, pois entraríamos em momentos de especulação e teorias, assuntos que não cabem aqui. Por isso, iremos nos mudar para um outro título.
Que tal The Minish Cap? O adorável título do finado GBA também tem altos níveis de cultura espalhados por ele. O mais visível é o dito Festival Anual Picori, que tem início logo no começo do enredo.
Aparentemente, o festival é feito para comemorar a derrota de monstros que dominavam a terra por um herói que recebera a graça dos Picori/Minish.
Apesar de não ter tanta profundidade quanto o Carnaval do Tempo, o Festival mostra seus traços culturais no povo de Hyrule. Nota-se isso com a quantidade de turistas e visitantes que chegam na cidade para comemorar o Festival. Isso só indica a vivacidade do festival. Notamos isso: feiras, gincanas, contadores de histórias e de lendas, até um concurso de espadachins ocorre (mesmo que por fora). Nota-se o esforço em deixar o festival o mais agradável possível, além do amor que muitos tem pelo evento (até a Princesa Zelda foge do castelo para ir com Link ver o festival). No entanto, a falta de aprofundamento acerca do festival pelo resto do jogo realmente nos limita a isso. O festival é feito somente para comemoração, como se fosse uma feira especial, mas, realmente, é só isso.
Agora, ainda é possível achar assuntos para se debater em Minish Cap, especialmente pela profundidade dada à raça quase que mais importante: os Minish. O estilo de vida dos Minish é bem diferente dos da espécie de Link. Eles levam uma vida bem mais simples e, obviamente seu estilo cultural se mostra bem diferente. Isso se observa na organização social. Diferente dos Hyruleanos, os Minish não possuem reis, eles vem os mais velhos e sábios como aqueles que devem liderá-los (eis aí que entra personagens como Gentari e Librari). Eles também prezam muito seus sábios anciãos, sempre os obedecendo, sem falar que eles não são do tipo que faz revoltas.
Existe uma característica nos Minish que achei deveras interessante: eles gostam muito de ler; tamanha é essa característica que alguns até vivem na biblioteca da cidade de Hyrule. Curiosamente, essa personalidade é diferente da de muitos Hyruleanos que, geralmente presos em afazeres do dia-a-dia, acabam por não poder desfrutar dos livros, claro, com raras exceções.
Obviamente nota-se que, enquanto existem muitas semelhanças entre a cultura Minish e a de Hyrule, ambas possuem diferenças muito importantes, embora pequenas.
Agora, se existe um real choque de culturas no universo de Zelda, ocorreu em Twilight Princess. A outra cultura dessa vez é a dos Twili, que, apesar de não ter um aprofundamento do jeito que merecia, se mostra um tanto diferente da de Hyrule. No entanto, os valores mostrados são os mesmos, ou, ao menos, muito semelhantes. Os temas de vingança (no caso de Zant) e egoísmo (no caso de Midna no começo) são muito semelhantes aos aplicados em Hyrule.
Talvez um pensamento que esteja surgindo na cabeça de muitos seja: "E quanto aos Gorons e Zoras?". Curiosamente, depois de anos surgindo tantas vezes, a cultura deles fica extremamente natural e quase tão clara quanto a cultura tradicional de Hyrule.
Detalhemos primeiro os Gorons.
Nós os conhecemos em Ocarina of Time, e rapidamente tivemos uma ideia de como eles pensam. Diferente das demais raças que habitam Hyrule, os Gorons criam laços baseados na confiança adquirida. Foi assim, mostrando sua coragem e salvando o estoque de comida (Dodongo's Cavern) que Link se tornou aliado e "irmão" deles em Ocarina. O mesmo vale em Phantom Hourglass, quando o herói teve de visitar todas as casas e falar com todos os Gorons da ilha para que pudesse começar o teste de iniciação e se tornar um membro. No entanto, a razão por trás da, digamos, dificuldade em se tornar um membro vem da geral aversão que os Gorons tem a estrangeiros, e isso ocorre porque eles seguem uma ideia (quase uma ceita, na verdade) de orgulho que eles sempre aplicam no seu dia-a-dia. Ou seja, eles não gostam de se expor a outras tribos facilmente, tanto que, para que se possa entender seus bastidores, deve-se primeiro ser um deles.
Bom, demos uma olhada em sua camada social. Os Gorons aparentemente seguem um líder, seja ele um Patriarca, ou um Ancião ou, simplesmente, Big Brother (que é o que mais conhecemos). Devido à falta de... documentos(?) (às vezes esqueço que isso não é um trabalho acadêmico), não dá para saber realmente como essa liderança é repassada, mas, considerando o que acabei de citar, creio que a liderança é passada para aquele que melhor se encaixar (seguido com aprovação de todos?).
Agora, uma cultura bem mais complicada é a dos Zoras. Aparentemente, o sistema social deles é semelhante ao de Hyrule: o líder é um monarca e o trono é hereditário. Caso os membros da família real morram, tem-se um período para que uma nova família se erga (especulação, claro). Parece, também, que eles são mais receptivos com estrangeiros do que os Gorons. Claro, parece que eles ainda são um tanto xenofóbicos (ter de provar que você é um membro da família real para entrar não é nada receptivo, sabe?), mas conseguir a confiança deles é mais fácil. E outro ponto, eles não são tão orgulhosos. A prova disso é o espírito da rainha Rutela (imagem ao lado) pedir a Link que salve seu filho, coisa que, como sabemos, jamais seria pedida por um Goron. Claro, existem momentos de orgulho, como em Ocarina of Time, com Ruto, mas, além de ter sido um caso aparte, era apenas uma menina que não queria ser tratada e cuidada como uma criança.
Eu poderia falar de todas as culturas que apareceram em outros jogos, mas, ficaríamos nisso por horas, sem falar que o artigo em si ficaria mais extenso do que o necessário (e creio que já passou dessa marca). Mas, acredito que o objetivo final, que era mostrar a imensa importância da cultura dentro dos personagens da série Zelda, para que, finalmente, se saiba como eles se tornam marcantes.
Com isso tudo, fecho a análise, antes que ela se torne mais confusa e, talvez, fique sem sentido. Agradeço a todos que leram e, agora, pergunto: Você concorda com o que foi dito aqui? Acha que a cultura é tão importante, ou acha que eu estou exagerando? Comente e até a próxima!
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